As Aventuras de Tintim (no original em francês, Les aventures de Tintin) é o título de uma série de histórias em quadrinhos criada pelo autor belga Georges Prosper Remi, mais conhecido como Hergé, em 1929.
O herói das séries é o personagem epônimo Tintim, um jovem repórter e viajante belga. Ele é auxiliado em suas aventuras desde o início por seu fiel cão Milu (Milou, em francês). Os dois apareceram pela primeira vez em 10 de janeiro de 1929, no Le Petit Vingtième, um suplemento do jornal Le Vingtième Siècle destinado ao público infantil. Mais tarde, o elenco foi expandido com a adição do Capitão Haddock, entre outros personagens pitorescos.
Esta série de sucesso era publicada em semanários e, ao término de cada história, os quadrinhos eram reunidos em livros (23 no total, em 2008). Ela ganhou uma revista própria, de grande tiragem (Le Journal de Tintin) e foi adaptada para versões animadas, para o teatro e também para o cinema. As séries são uma das histórias em quadrinhos européias mais populares do século XX, sendo traduzidas para mais de 50 línguas e tendo mais de 200 milhões de cópias vendidas.
As séries de histórias em quadrinhos são há muito admiradas por seus desenhos claros e expressivos, com o estilo ligne claire, típico de Hergé. O autor emprega enredos bem elaborados de gêneros variados: aventuras swashbuckler com elementos de fantasia; mistério; espionagem; e ficção científica. As histórias nas séries de Tintim caracterizam-se tradicionalmente pelo humor em cenas de ação, o que equivale em álbuns posteriores à sofisticada sátira e comentários de cunho político-culturais.
Tintim é caracterizado como um repórter. Hergé usa tal artifício para apresentar o personagem numa série de aventuras ambientadas em períodos contemporâneos àquele em que ele estava trabalhando (mais notavelmente, a insurreição bolchevique na Rússia, a Segunda Guerra Mundial e a alunissagem). Hergé criou também um mundo de Tintim, que conseguiu reduzir a um simples detalhe, porém reconhecível e com representação realista, um efeito que ele foi capaz de alcançar com referência a um meticuloso arquivo de imagens.
Apesar de as Aventuras de Tintim serem padronizadas - apresentando um mistério, que é, então, logicamente resolvido - Hergé encheu-as com o seu próprio senso de humor, e criou personagens de apoio que, embora sejam previsíveis, apresentaram-se com um certo encanto que permitiu ao leitor se identificar com eles. Esta fórmula de uma confortável e bem–humorada previsibilidade é semelhante a da apresentação do elenco na tira Peanuts ou em Three Stooges. Hergé também teve um grande entendimento da mecânica dos quadrinhos, especialmente de seu andamento, uma habilidade demonstrada em As Jóias de Castafiore, um trabalho que pretende ser envolvido com a tensão de que nada realmente acontece.
Hergé inicialmente improvisou na criação das aventuras de Tintim, exceto em como o personagem iria escapar de qualquer situação que lhe aparecia. Somente após a conclusão de Os Charutos do Faraó, Hergé foi incentivado a reformular e a planejar suas histórias. O impulso veio de Zhang Chongren, um estudante chinês que, sabendo que ele iria mandar Tintim à China na sua próxima aventura, instou–o a evitar que perpetuassem a visão que os europeus tinham da China no momento. Hergé e Zhang trabalharam juntos na série seguinte, O Lótus Azul, que foi citado pelos críticos como a sua primeira obra-prima.
Outras alterações à mecânica de Hergè ao criar as tiras se deram a partir de influências por parte de acontecimentos externos. A Segunda Guerra Mundial e a invasão da Bélgicapelos exércitos de Hitler determinaram o encerramento do jornal no qual Tintim era publicado. Os trabalhos foram interrompidos em Tintim no País do Ouro Negro, e os já publicados Tintim na América e A Ilha Negra foram proibidos pela censura nazista, que não concordou com sua apresentação da América e da Grã-Bretanha. No entanto, Hergé foi capaz de continuar com As Aventuras Tintim, publicando quatro livros e relançando mais duas aventuras no Le Soir, jornal licenciado pelos alemães.
Após a ocupação da Bélgica pelas tropas alemãs, Hergé foi acusado de ser um colaborador do regime nazista por trabalhar em um jornal sob controle alemão. Sua obra desse período, ao contrário de seus trabalhos anteriores, é politicamente neutra e resultou em histórias clássicas, como O Segredo do Unicórnio, O Tesouro de Rackham o Terrível e A Estrela Misteriosa, que refletem seu sentimento durante esse período político incerto.
A escassez do papel no período pós-guerra exigiu mudanças no formato dos livros. Hergé geralmente desenvolvia suas histórias de forma que o tamanho fosse adequado à história, mas agora com o papel de dimensão reduzida, os editores Casterman pediram a Hergé para ele considerar a utilização de menores dimensões e adotar um tamanho padronizado e estipulado em 62 páginas. Hergé continuou e aumentou sua equipe (os dez primeiros livros foram feitos por ele e sua esposa), surgindo assim os Studios Hergé.
A adoção de cor permitiu que Hergé expandisse o alcance das suas obras. Seu estúdio permitiu que as imagens preenchessem meia página em alguns casos, mostrando detalhadamente algumas cenas e usando combinações de cores para realçar pontos importantes. Hergé cita este fato, declarando que "Considero minhas histórias como se fossem filmes. Sem narração, sem descrições, a ênfase é dada às imagens". A vida pessoal de Hergé também afetou a série, com Tintim no Tibete sendo fortemente influenciada pelo seu colapso nervoso. Seus pesadelos, descritos como sendo "todos em branco", convertem-se em paisagens repletas de neve na história. O enredo tem Tintim patinando em busca de Tchang Chong-Chen, previamente encontrado em O Lótus Azul, com a peça não possuindo vilões - com apenas uma pequena lição moral, com Hergé se recusando a se referir ao Homem das Neves do Himalaia como "abominável".
A conclusão das aventuras de Tintim ficou incompleta. Hergé morreu em 3 de março de 1983 e deixou a 24ª aventura, Tintim e a Alph-Art, inacabada. O enredo viu Tintim embrenhar-se no mundo da arte moderna, e a história é interrompida no momento em que Tintim está aparentemente prestes a ser assassinado para ser transformado em uma estátua de acrílico a ser vendida.
Muito se tem escrito sobre a ideologia da série. A obra é objeto de polêmica, em grande parte graças à contínua reedição das aventuras, que foram concebidas há muitos anos, em um contexto inteiramente diferente. Já se acusou Hergé de propagar em seus álbuns violência, crueldade para com os animais, pontos de vista colonialistas, rascistas e até mesmo fascistas; foi acusado também de suposta misoginia, dado que quase não aparecem mulheres na série. Essas acusações se referem apenas a aspectos pontuais, não podendo-se dizer que sejam pontos de vista predominantes da série. Nesse sentido, há uma certa "lenda negra" de Tintim, devido ao fato de Hergé ter publicado algumas histórias em um jornal aprovado por nazistas, o Le Soir, durante a ocupação alemã na Bélgica.
Tintim surgiu no periódico Le Petit Vingtième. Ainda que a Fundação Hergé tenha tomado tais acusações por ingenuidade do autor, e que certos pesquisadores afirmem que "Hergé fazia o que lhe dizia o abade Wallez (o diretor do jornal)", o próprio quadrinista sentia que, visto suas origens sociais, não poderia escapar de preconceitos: "Ao conceber Tintim no Congo e Tintim no País dos Sovietes, ele estava sustentado por preconceitos do meio burguês no qual vivia. (…) Se tivesse de refazê-los, os faria de outro modo, certamente."
Em Tintim no País dos Sovietes, os bolcheviques são descritos como personagens maléficos. Hergé se inspirou num livro de Joseph Douillet, antigo cônsul da Bélgica na Rússia, Moscou sans voile, que era extremamente crítico ao regime soviético. Hergé inseriu isto no contexto afirmando que para a Bélgica da época, uma nação devota e católica, "tudo o que fosse bolchevique era ateu". No álbum, os chefes bolcheviques são motivados apenas por interesses pessoais, e Tintim descobre, enterrado, "o tesouro escondido de Lênine Trotsky". Mais tarde, Hergé assimilou os defeitos desses primeiros álbuns a "um erro de minha mocidade". Mas hoje, parte de sua maneira de representar a URSS da época pode ser considerada aceitável. Em 1999, o jornal The Economist publicou que "retrospectivamente, a terra da fome e da tirania desenhada por Hergé estavam estranhamente corretas".
Tintim no Congo foi acusado de representar os africanos como seres ingênuos e primitivos. Na primeira versão do álbum, em preto-e-branco, vemos Tintim diante de uma lousa dando aula a crianças africanas. "Meus caros amigos", diz ele, "hoje, vou lhes falar de sua pátria: a Bélgica". Em 1946, Hergé redesenhou o álbum, transformando esta cena numa aula de matemática. "Sobre o Congo, eu conhecia apenas o que contavam na época: 'os negros são como grandes crianças, sorte deles estarmos lá!', etc. E desenhei os africanos de acordo com estes critérios, no mais puro espírito paternalista, que era o da época na Bélgica", explicou-se Hergé.
Em 1988, no jornal britânico Mail on Sunday, Sue Buswell resumiu os problemas evidenciados nesse álbum: "lábios grossos e pilhas de animais mortos", em referência à maneira como foram desenhados os africanos e aos animais que Tintim caça (atividade muito em voga na época em que o álbum foi feito). Todavia, Harry Thompson nota que tal citação pode ter sido tomada "fora de seu contexto". Transpondo uma cena de Les Silences du Colonel Bramble, livro de André Maurois, Hergé apresenta Tintim como um caçador, abatendo quinze antílopes, sendo que apenas um já seria o bastante para se alimentar. O grande número de animais mortos ao longo da história levou o editor dinamarquês dos álbuns Tintim a exigir algumas modificações. Hergé teve de substituir uma cena em que Tintim faz um furo no dorso de um rinoceronte para depositar uma dinamite e explodir o animal.
Em 2007, a Comissão pela Igualdade Racial (Commission for Racial Equality), órgão britânico, exigiu que o álbum fosse retirado das prateleiras de livrarias após uma reclamação, afirmando ser "triste saber que haja ainda hoje livreiros que aceitem vender e divulgar Tintim no Congo". Em 23 de julho de 2007, um estudante congolês fez uma queixa em Bruxelas, capital da Bélgica, na qual considera a obra um insulto para o seu povo. O caso é investigado, mas o Centro para a Igualdade de Oportunidades e Combate ao Racismo (Centre pour l'égalité des chances et la lutte contre le racisme, instituição belga), advertiu que não se tome uma "atitude hiper-politicamente correta". Em 2009, dando continuidade à polêmica, a biblioteca do Brooklyn, em Nova Iorque, retirou a aventura da seção pública, tornando mais difícil a sua consulta, depois da reclamação de um dos sócios, dizendo que "o livro é racialmente ofensivo para as pessoas negras".
Vários dos primeiros álbuns de Tintim foram alterados por Hergé em edições subseqüentes, geralmente a pedido das editoras. Em Tintim na América, por exemplo, os traços caricatos dos personagens negros foram redesenhados como sendo brancos ou de etnia indefinida, incitado pelos editores americanos. Em a Estrela Misteriosa, um vilão americano tinha originalmente o sobrenome judeu Blumenstein. Isto era controverso, tanto que o personagem tinha exactamente o aspecto estereotipado de um judeu. Blumenstein foi alterado para Bohlwinkel, sobrenome menos etnicamente específico. Em edições posteriores, o personagem foi novamente alterado, desta vez para sul-americano, de um país ficcional chamado São Rico. Mais tarde, Hergé descobriria que Bohlwinkel também é um sobrenome judeu.
Outro álbum apontado como racista é Perdidos no Mar (também conhecido como Carvão no Porão), de 1958. Ainda que a história seja uma denúncia da escravidão, na qual Tintim e Haddock defendem claramente os mais fracos, um artigo publicado em 1962 na revista Jeune Afrique criticou duramente a representação dos africanos, especialmente a forma de falarem. Hergé rebateu as críticas e, em 1967, reescreveu alguns diálogos.
A ideia do fascismo da série pode estar relacionada à atitude do autor na época da Segunda Guerra e ao seu vínculo inicial com o abade Norbert Wallez, homem de extrema-direita e anticomunista assumido. Vale notar que os álbuns publicados durante a guerra são histórias nas quais não há nenhuma alusão política. Álbuns como O Ceptro de Ottokar, de 1939, desmentem a suposta simpatia de Hergé pelo fascismo. Nessa história, há críticas evidentes à política expansionista de Adolf Hitler. "Creio que todos os totalitarismos são nefastos, sejam eles de direita ou de esquerda.", disse o autor.
Hergé jamais negou suas ideias conservadoras. Talvez por esse motivo, Tintim seja a favor da ordem estabelecida, o que não o impede de dar atenção aos menos favorecidos, e, em muitas ocasiões, tomar o partido destes. Ao longo de suas viagens, ele demonstra um verdadeiro interesse e respeito pelas culturas não-européias, o que se manifesta também na vontade de seu criador de fazer pesquisas meticulosas para a confecção dos álbuns. Na série, são apresentados o Coronel Boris e o Coronel Jorgen. Na primeira história em que aparecem não são mencionados seus nomes.
A empresa Moulinsart SA é responsável pela gestão e cobrança de royalties de Hergé desde 1987. Fundada por sua esposa Fanny Vlamynck, como única herdeira, a empresa está actualmente liderada por Nick Rodwell, marido de Fanny. A empresa provoca regularmente controvérsia, proibindo qualquer utilização da imagem de Tintin de sem sua autorização expressa.
Assim, na época da Internet, qualquer forma de paródia, desvio ou reutilização é fortemente contestado pela sociedade Moulinsart SA. Da mesma forma, o fato de postar uma única arte de Tintin é repreendido pelas leis de diferentes países.
Esta atitude preocupa entusiastas da banda desenhada franco-belga que estão se perguntando como eles serão capazes de fazer Tintin permanecer como património cultural francófono se a divulgação de sua imagem também é altamente restrita na mídia moderna.
No entanto, uma decisão do tribunal em Haia no início de 2015 delineou uma mudança. Tribunais holandeses concordaram com a associação de fãs Hergé Genootschap, que teria que ter pago a Moulinsart SA para o uso de artes originais em suas publicações, depois de ter sido desde há muito permitida. Com efeito, o Tribunal considerou que a única herdeira de Herge, Fanny Rodwell, nunca tinha questionado um contrato de 1942 que estipula explicitamente a transferência de todos os direitos de Hergé a editora Casterman.
A obra de Hergé cairá em domínio público em 1 de janeiro de 2054. Moulinsart SA, promete assegurar os direitos, os planos para impedir o uso e publicação de todos através da publicação de um novo álbum de Tintin em 2052.
Durante a vida de Hergé, paródias foram produzidas de Les Aventures de Tintin, com uma das primeiras a aparecer no jornal belga La Patrie, após a libertação do país da ocupação nazista em setembro de 1944. Intitulada Tintin au pays de nazis ("Tintin no país dos nazistas"), a tira toscamente desenhada satiriza Hergé por trabalhar para um jornal nazista durante a ocupação.
Após a morte de Hergé, centenas de outras paródias não oficiais e pastiches de Les Aventures de Tintin foram produzidas, cobrindo uma ampla variedade de gêneros diferentes.
Tom McCarthy dividiu tais obras em três grupos específicos: pornográficas, políticas e artísticas. Em alguns casos, o nome real "Tintin" é substituído por algo semelhante, como Nitnit, Timtim, ou Quinquin.
Outros criadores de banda desenhada optaram por criar histórias artísticas que são mais fan fictions do que paródias. O artista suíço Exem criou as aventuras cómicas irreverentes de Zinzin. Da mesma forma, o cartunista canadense Yves Rodier produziu uma série de obras de Tintin, nenhuma das quais foram autorizadas pela Moulinsart, incluindo uma "conclusão" do álbum inacabado Tintin et l'Alph-Art, em que ele usou a linha clara de Hergé.
A resposta a essas paródias dividem opiniões. Muitos as veem como uma afronta à obra de Hergé. Nick Rodwell da Moulinsart tomou este ponto de vista, declarando que "Nenhum desses copistas conta como verdadeiros fãs de Hergé. Se assim fosse, eles iriam respeitar seus desejos que ninguém além dele desenharia as aventuras de Tintin". Sempre que possível, a Moulinsart toma medidas legais contra aqueles que se sabe estar produzindo tais itens. Outros entendem de forma diferente, considerando essas paródias e pastiches como homenagens a Hergé.
Álbuns
- Tintim no País dos Sovietes • 1930
- Tintim no Congo • 1931
- Tintim na América • 1932
- Os Charutos do Faraó • 1934
- O Lótus Azul • 1936
- O Ídolo Roubado • 1937
- A Ilha Negra • 1938
- O Cetro de Ottoka • 1939
- O Caranguejo das Tenazes de Ouro • 1941
- A Estrela Misteriosa • 1942
- O Segredo do Licorne • 1943
- O Tesouro de Rackham o Terrível) • 1944
- As Sete Bolas de Cristal • 1948
- O Templo do Sol • 1949
- Tintim no País do Ouro Negro • 1950
- Rumo à Lua • 1953
- Explorando a Lua • 1954
- O Caso Girassol • 1956
- Perdidos no Mar • 1958
- Tintim no Tibete • 1960
- As Jóias da Castafiore • 1963
- Voo 714 para Sydney• 1968
- Tintim e os Pícaros • 1976
- Tintim e a Alfa-Arte • 1983 (incompleto, reeditado em 2008)
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